quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Fé invernada.


As estações da vida acompanham os seres vivos no processo de sobrevivência. Nós, seres humanos, temos a tarefa árdua de trabalharmos para que a vida seja concretizada no possível que nos cabe.

Gosto de pensar nas formigas. Trabalham, cortam suas folhas, se organizam e recolhem alimentos para o sustento numa estação vindoura, não tão favorável para o trabalho como o inverno, devido ao frio e os riscos que ela pode trazer à sua espécie.

Deveríamos usar desse exemplo – rompendo o comodismo e preparando nas estações favoráveis da nossa vida, o que nos sustentaríamos num tempo de frio e recolhimento. O sofrimento é como o inverno; estação que exige recolhimento para se meditar sobre o processo da dor, e a partir dele, se alimentar do que colhemos das estações felizes.

Hoje, corremos o grande risco de não trabalharmos o ‘essencial’ e, dessa maneira, perdermos a oportunidade de estarmos com o estoque da ‘alma’ repleto para os tempos difíceis.

Ser cristão nos tempos favoráveis é tarefa fácil. O desafio, minha gente, é ser cristão no momento da dor e, permanecer em pé, como fez Maria aos pés da cruz, mesmo quando parecer que tudo está perdido.

O comodismo que nos cerca, pode nos custar caro amanhã.
Recolha a tua água. Deixe os barris repletos até a boca. Para que nos tempos ‘invernais’, você possa ter fé suficiente para Deus cuidar de você e ensiná-lo a viver o inverno do sofrimento.

O que você anda guardando é suficiente para sustentá-lo no inesperado da dor?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Vocação: um desafio de amor.


Li, recente, o livro “O filho eterno” de Cristóvão Tezza – um dos maiores escritores contemporâneos – no qual me senti motivado a partilhar com você, caro leitor, algumas indagações louváveis sobre a arte de viver/o desafio de sobrevivência por via da ótica da “imperfeição” versus “liberdade. Afinal, o que é ser livre? O que é a liberdade?

O romance é narrado sobre a história, em meados dos anos 70, de um pai que recebe a notícia de que o seu primeiro filho – tão desejado pelo casal – é portador de “mongolismo”. A chamada: “síndrome de down”. Para o pai a decepção. O desejo de recusa. A morte como solução e alívio para tal “ameaça”. Um homem diante da brutal realidade que o cerca; palco teatral que ressuscitará todas as perguntas possíveis; o reacender do confronto entre a “normalidade” e a “anormalidade”. O novo. A liberdade sendo medida em amplo sentido. A história comovente de um pai que precisará redescobrir a própria vida e a sua “nova” identidade, a partir do filho que chegara.

Li o livro em menos de 2 dias. Confesso que o título me conquistara com o seu poder de infinitude. Afinal, sempre tive desagrado por coisas definitivas. Nietzsche, um dos grandes filósofos já ensinara: “Não existe uma única verdade.” É um assunto digno. Uma frase amplamente contextualizada que renderia inúmeros artigos nessa coluna. No entanto, me utilizo desse curto espaço para deixar registrados alguns conceitos plausíveis do valor da eternidade, do novo que nos desconcerta e do desafio constante que é ser humano.

Como pode alguém que deseja a morte do filho, substantivá-lo mais tarde como “O filho eterno”? Lendo e relendo os belíssimos parágrafos desse romance, salpicado por momentos de retrocesso, renúncias, fúrias, mas também de feedback e lapidação humana, me peguei a pensar no conformismo banal que alimenta nosso “aparente sossego” quando vivemos uma rotina familiar sem aparente desafio. “Desafio? Para quê? Estamos tão bem e não queremos problemas...”
O novo assusta. Sendo ele bom ou ruim. Quando é bom, a digestão é fácil – questão de surpresa e algumas horas – e pronto, mais um “bem” agregado à família. Porém, quando o novo é algo “ruim”, usaria aquele ditado antigo: “A casa cai”. A resposta em “eliminar” tal problema, para o pai do romance, fora a idéia da predileção à morte do filho que acabara de nascer. A nossa resposta talvez não seja tão diferente: eliminação. Como se fosse uma palavra mágica que ao penetrar nos ouvidos trouxesse um ar de alívio momentâneo.

Cresci ouvindo o ditado: “A cruz que temos de carregar, não pode ser colocada na porta de outro”. E, inevitavelmente, me pergunto: cruz ou redenção?

Lendo “O filho eterno” fiz a mesma pergunta em vários momentos - plena redenção. Mas confesso: o título já é uma grande pista para quem deseja saborear parte de uma verdade, entre tantas necessárias lá contidas, capazes de fazer-nos livres para o bem e para o amor.

* Texto extraído da Revista 'Construtores do Reino' Vila Maria - São Paulo. Coluna: 'Deus e você'. Edição 96.
Rodrigo Rudi.