quarta-feira, 19 de maio de 2010

Amor e sabor.


Sempre que reflito sobre o amor recordo-me de um dos poemas de Adélia Prado, escritora mineira, católica, e um dos maiores nomes da literatura brasileira - o nome dele é "Casamento".

"Há mulheres que dizem: Meu marido, se quiser pescar, pesque, mas que limpe os peixes. Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar. É tão bom, só a gente sozinho na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram, ele fala coisas como "este foi difícil", "prateou no ar dando rabanadas" e faz o gesto com a mão. O silêncio de quando nos vimos a primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo. Por fim, os peixes na travessa, vamos dormir. Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva."

Gosto da leveza de Adélia em revelar o evangelho por meio da poesia. Palavras que anunciam o essencial para que o amor sobreviva. Poema que deveria ser lido em toda cerimônia matrimonial; bodas de prata e até nas bodas de Ouro - acompanhando os casais para que a lição nunca se perca.

Amor que é celebrado à beira da pia, do tanque, à mesa ou no silêncio do beijo ao desejarem bons sonhos. Amor esmiuçado a partir de pequenos gestos que acalentam o mais nobre sentimento.

A ação de Deus não substitui a responsabilidade do casal. Deus faz, mas conta com a vontade de cada um. Deus tece aquilo que não pode ser tecido pelo limite humano. E buscar o outro no milagre do hoje é tarefa que pousa sobre as mãos de quem a deseja.

Quer o casamento restaurado? Coloque em prática esse poema! A multiplicação dos peixes será acrescida de múltiplo sabor.

Amar talvez seja isso: olhar a pessoa amada e reconhecê-la como novidade constante - alguém que renovará o outro a partir de pequenos favores, olhares e delicadezas - gestos que não cabem nas palavras, por serem infinitos.

Há sabores que não moram na comida bem feita, nem na casa limpa e solitária. Sabores ancorados nos detalhes que o outro possui, e que só poderão ser tocados com a nossa fome de sermos, eternamente, noivos e noivas.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Deus é poesia.


Quando o dia insiste em retirar o sossego da minha alma, me refugio na casa da poesia - lugar preferido de Deus nas horas vagas.

Ao sorrir, Ele percebe a minha chegada e, feliz, se esconde nas entrelinhas dos verbos, utilizando-se das onomatopéias para me alarmar de sua presença. Não sei se me encanto com as linhas poéticas ou com o desejo de buscá-lo entre os sentidos que vão nascendo em mim.

Vez em quando ele se finge dormir entre elas. E pisco os olhos bem devagar para não acordá-lo na leitura que faço - um tropeço na vírgula causaria barulho. No entanto, ao me entreter com os versos que passam por mim em forma de vagões, avisto o trem fumegante à apitar sobre uma longa linha construída pelos suspiros do Pequeno.

No apito dos significados, a minha alma acelera e palpita de felicidade: é preciso encontrá-lo. Me pego sorrindo entre as palavras que amortecem as minhas dores, já esquecidas em algum canto daquelas páginas amareladas.
As palavras cochicham, e se exibem entre pontos e vírgulas, salto alto de pura exclamação! Enquanto eu, ao perceber o poema ao fim, reparo que entre as minhas próprias mãos, o pequeno se ajeita junto ao meu peito acelerado e quente, de tamanho amor.

E com os olhos banhados de emoção, cuidadosamente, retiro do seu cabelinho fino, um fiapo de ponto final.

domingo, 16 de maio de 2010

Perdas.

Todas as estações do ano nos ensinam. Mas o outono é doutor em perdas e preparações. O sofrimento presente na vida humana se esbarra na casa da perda necessária. Conviver é perder.


Fé que não se renova, morre. Vida que não abriga o essencial hospedará: supérfluos e ilusões.


No verão, as árvores são preparadas para a próxima estação. Querendo ou não, elas são inseridas no mistério da natureza para sobreviverem e, assim, cumprirem com naturalidade a tarefa de perder o que já não mais a pertence.


Folhas que se vão para darem lugar às novas que brotarão - Jesus precisou dar a própria vida para que o plano do Pai fosse instaurado - Ele, de certa forma, também precisou desfazer do que possuíra para ganhar e fazer-nos vencedores. A perda de hoje, aponta para o ganho de amanhã.


Você pode me indagar: - "O que ganho com a morte de alguém estimado?" As respostas são inúmeras, não ousaria definí-las em propostas mansas. Mas adiantaria: a valorização da vida e da presença do outro, seriam as primeiras jóias a receberem uma nova lapidação dentro de você.


Grandes perdas nos oferecem ganhos múltiplos. Lições que nos farão melhores.


Não encare o vazio como possibilidade de ausência. O poeta Manoel de Barros já ensinara: ausência e vazios são fontes de enriquecimento.

"A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio do que do cheio.

Falava que os vazios são maiores

e até infinitos."


O outono é um caderno aberto à espera da nossa lição diária.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O silêncio e o milagre.


A vida é feita de palavras, mas também de silêncio. Quem fala muito, corre o risco de perder o ensinamento que, às vezes, se abriga nas frestas do tempo.

Reclamam de Deus, da ausência de sua voz e, em meio a lamentações vão procurá-lo em outros lugares. São pessoas que não compreenderam o cristianismo como sendo, a religião do silêncio necessário, e posteriormente como: pura graça de entendimento e visita.

Maria, a mãe de Jesus, amava-o e o acompanhava com o olhar. Ainda que o Filho estivesse à beira do praia, do mar ou entre os doutores da lei - bastava Jesus identificá-la no meio da multidão, para sentir-se amado e acompanhado.

A resposta é hóspede do silêncio.

Vivemos numa era em que a resposta precisa vir rápida, concisa e satisfatóriamente saciável. O mundo é assim, mas a fé não. Os templos deixaram de ser a casa de oração, silêncio e contemplação, para serem postos de troca - levo a lista do que preciso, e saio com os dias e horários para recebê-los. Depois, saem por aí, testemunhado aquilo que é visível e perece. Alma pequena, que se contenta com pequenos favores. É um deus projetado como uma máquina de coca-cola: coloco a moeda e a latinha cai.

Não medimos a nossa fé, a partir do que recebemos, mas do amor que nos alcança.

Deus se utiliza dos grandes poetas para ensinar a mais bela teologia:

"A vida de um ser humano, é impossível. O que vemos, é apenas milagre; salvo melhor raciocínio." Guimarães, o Rosa.

Se existe o silêncio, é porque o milagre já fora dado. E, enxergá-lo em meio a tanto barulho, pode ser impossível.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Presença necessária.


Era um dia ensolarado, daqueles em que a terra se consome de calor e apenas o sol domina o que consegue alcançar. Poeiras dormem ao chão, sob o silêncio dos pés que se abrigam à sombra das casas com suas prosas diversas.

Em Sicar, o Mestre se aproximara do poço de Jacó. E, fatigado, sentou-se à beira dele.

Entre o sol e pó, a poesia humana de Jesus tecera o poema do descanso e da observância. Ao olhar adiante, percebera uma mulher, que escolhera uma hora solitária do dia para apanhar um pouco de água.

Ao contemplá-la, percebera os panos no corpo e as deformações da alma. Sobre o palco-silêncio daquela hora do dia, desfez leis e revalidou o amor.

Podemos avistar o mundo e não encontrá-lo. Saber que existimos, mas não quem somos.

A partir de um breve diálogo, serviu-se da Ceia das Palavras ben-ditas,para que elas, suficientemente capazes, servissem ao Mestre e assim proclamasse o valor que aquela mulher possuíra.

Entre os acordes do vento, o tecido do tempo e as frestas secas daquela tarde, Ele reafirmara o seu lugar preferido: ao lado daquela terceira margem do Céu, disfarçada em camadas de dores e dissabores, à espera de alguém que ao olhá-la, revelasse: você vale à pena.

A presença sincera cessa a ausência e revela a vida esquecida em algum quarto escuro da nossa alma.

A companhia do Mestre a curou de uma vida povoada de ausências.

Bendito sejas o olhar demorado de Deus sobre a fina poesia do coração humano.

Lançamento!

O Blogaço lança 'Deus comigo', mais um blog de evangelização do portal catolicaco.com no comando de Rodrigo Rudi, professor e escritor, de Volta Redonda-RJ que trará Deus até você. Bem-vindo!